Pelo menos um dos antigos colegas de turma na escola municipal Tasso da Silveira lembra de Welligton Menezes em detalhes. “Não dá para acreditar que um garoto que era o bobo da sala se tornou um criminoso”, disse o também ex-aluno Bruno Linhares de Almeida.
Ainda incrédulo com o massacre na escola municipal Tasso da Silveira e a caminho do velório de Larissa dos Santos Atanásio, uma das 12 crianças que morreram no ataque de quinta-feira (7), ele falou das lembranças que tinha de Wellington Menezes. Os dois estudaram juntos durante dois anos, nas 7ª e 8ª séries, na mesma escola onde houve o tiroteio.
“Eu me lembro muito, o Wellington era o ‘bundão’ da turma, era um cara totalmente tranquilo, um bobão. Implicavam bastante com ele, zuavam ele de tudo o que é nome”, contou Bruno. Mas depois o jovem ressaltou: “Ele apesar de ser bundão, ele tinha um sorriso assustador”.
Segundo Bruno, Wellington gostava muito de computador e não tinha muitos amigos. Mas tinha um aluno da turma que o atirador sempre andava junto e que, de acordo com Bruno, seria homossexual. “Eles viviam colados, só sentavam juntos. Muitas vezes ele era chamado de ‘veadinho’”, contou.
O jovem disse que não conseguiu dormir após saber da chacina. “Sonhei o tempo todo com ele. Foi horrível. Era uma pessoa que estava do meu lado na turma e depois de anos você encontra a foto dele no jornal. A gente nunca imaginava que a pessoa mais calada, que nunca fazia nada, nunca levava advertência, ia se transformar numa pessoa criminosa dessa”, desabafou.
A última vez que Bruno viu o ex-colega de turma foi há cerca de um ano, em um ponto de ônibus próximo à escola. “Ele perguntou como eu tava, sempre meio tranquilão”, contou.
Bruno disse que conhecia Larissa, morta no massacre, da igreja onde frequentava. “Dei o último abraço nela no domingo. Ela veio me abraçar, do jeito doce dela”, lembrou. “Está difícil de assimilar que um garoto da minha sala, uma pessoa que eu passei dois anos, vendo quase todo dia, fez uma coisa dessa. Ontem, em frente à escola, um colega nosso, colega de turma, bateu no meu ombro e falou ‘lembra que eu falei, brincando, para ele (Wellington): um dia você ainda vai matar muita gente?’. Mas nunca ia imaginar que ele ia fazer isso na escola”, disse Bruno.
Carta revela que Wellington se considerava “impuro”
Escrita em computador e impressa em papel sulfite, a carta de dois parágrafos e 35 linhas escrita por Wellington Menezes de Oliveira tem teor moralizante, denota fanatismo e guarda proximidade com escritas típicas de seitas religiosas, na análise de especialistas ouvidos pelo reportagem.
Como explica o psicólogo Antonio Serafim, coordenador do Núcleo Forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, ao insistir na questão da impureza (“os impuros não poderão me tocar sem luvas, somente os castos (...) nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue”, diz trecho da carta), o rapaz estava tentando demonstrar que se incomodava com alguma “sujeira” do mundo, que mereceria ser combatida, vencida. “Pode ser uma pessoa que foi desrespeitada, que sofreu indiferença, que teve problemas com uma ‘sujeira’ ao redor dele”, afirma.
Na análise do especialista, sempre falando de forma teórica, o atirador provavelmente agiu tentando penalizar o mundo que o agrediu. “A morte é a grande mensagem dele. Estou fazendo (matando), pois vocês me obrigaram. Ele pode ter escolhido crianças em uma tentativa de salvá-las dessa sujeira. Ele não estava matando, mas as salvando. É uma visão muito presente em discursos de assassinos desse tipo”, reflete o estudioso, falando ainda no campo das hipóteses.
Como explica Sirio Possenti, professor do departamento de Linguística do Instituo de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas (Unicamp), a carta seria uma peça sem sentido se não soubéssemos o desfecho do caso. Ao virar uma espécie de despedida de um assassino suicida, o texto ganha outras dimensões. “A carta só adquire sentido quando ele mata e morre.”
Para Possenti, não é possível ignorar que Oliveira tinha alguma questão não resolvida com a “sujeira”, seja ela moral (promiscuidade das mulheres, por exemplo) ou física (algum abuso que sofreu, por exemplo).
Na carta, existe ainda um cuidado desmedido com a figura feminina – e ele matou, na maioria, meninas. Há uma especial citação à figura materna. “Ele faz questão de ser enterrado ao lado da mãe. Por que ele não fala de irmão, pai, nada? Pode ser que ele não aceitasse a morte de mãe”, pondera o linguista, sempre argumentando “em tese”.
Possenti também estranha a solicitação do assassino para que sua herança seja revertida em nome de entidades que cuidam de animais. “Ele poderia deixar para uma instituição de caridade. Mas falta racionalidade, sobra radicalismo. Há uma carência na noção da relação com o diferente. Prefere os animais aos humanos. Pode ser um indício de que ele olhasse o mundo por um ângulo só. Soa como um pequeno fanático.
Padre aponta sinais de relação com alguma seita
Apesar das informações da irmã do atirador de que ele teria ligações com o fundamentalismo islâmico – o que foi negado por autoridades muçulmanas–, as palavras do matador se misturam com terminologias cristãs. Deus é citado duas vezes – já Jesus, uma, e Alá ou Maomé, nenhuma.
De toda forma, como aponta o padre Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os conceitos lembram mais valores de uma seita específica.
“Pode ter nascido (a teoria) da cabeça dele, como uma fantasia. Se não for isso, parece ser de alguma seita. Ele usa terminologias próprias. A morte é tratada como sono. A vinda de Cristo parece uma coisa iminente. E há um rigorismo, um puritanismo muito estranho”, avalia o estudioso.
Fonte Tribuna do Norte
Costa diz ainda que não acredita que os conceitos usados pelo atirador guardem semelhança com os ensinamentos pentecostais e evangélicos. “O tom é outro. São outras terminologias. O texto do assassino tem características próprias”. Para o padre, a carta soa como mensagens de igrejas milenaristas, que fazem previsões sobre o fim do mundo. “Ou ele é muito desequilibrado ou ele participa de alguma seita”.
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