Jornal do Commercio
A maioria dos deputados federais acaba de informar ao Brasil que o passado não contamina a atividade política. Qualquer cidadão, qualquer cidadã, pode roubar, matar, praticar pedofilia, contrabando, tráfico de drogas, e se estiver fora das grades com o delito transitado em julgado, pode, sim, ser deputado federal, senador, governador, enfim, assumir qualquer mandato público.
Essa decisão foi expressa em votação secreta que deu ganho de causa, com amplíssima maioria, a uma deputada de Brasília que havia sido filmada recebendo dinheiro de origem espúria, para fins espúrios. A sessão em que a deputada teve mantido o seu mandato foi um dos momentos mais sombrios da história recente da Câmara Federal. Ali ficou consagrado o princípio corporativista, em que tudo vale dentro da corporação, inclusive a defesa do indefensável.
Tão grave quanto aprovar o passado sujo – que vai de encontro à chamada Lei da Ficha Limpa – foi os deputados votarem às escuras, por trás do biombo que pode encobrir todo e qualquer crime, mantendo seus autores no anonimato. Assim, o eleitor não sabe se o deputado que elegeu foi a favor ou contra essa decisão que legitima a desonestidade no poder. Sob outro ângulo, pode-se até imaginar que os mais de 260 deputados que foram contra a cassação da colega de Brasília apenas procuraram utilizar a vacina para a doença que poderá atingi-los amanhã – ou, quem sabe, por ela já foram atingidos: a propina.
Foi um momento triste, que compromete ainda mais a atividade política, retardando o processo de aperfeiçoamento democrático que se busca, entre outras formas, com a luta aberta contra a corrupção. O que dizer depois desse ato dos nossos deputados federais? Pode-se condenar o vereador, o prefeito, o deputado, o governador corruptos? Não há, na decisão da Câmara Federal, uma medicação universal, que purifica o passado sujo de qualquer um, qualquer uma?
É lamentável que estejamos sendo testemunhas dessa decisão majoritária dos nossos deputados federais, por incontáveis motivos, a começar pela dúvida quanto à capacidade de essa elite dirigente elaborar uma reforma política que depure toda sujeira que se acumula na história do poder entre nós. Das capitanias hereditárias feitas de mandatos eletivos em listas privativas dos ungidos pela tradição do nome familiar – sempre brancos e com grandes patrimônios – até a formação de partidos de aluguel, meros redutos de candidatos a postos públicos nas alianças engendradas para atender aos interesses particulares.
Definitivamente, a Câmara Federal acaba de aprovar a ficha suja, contrariando a vontade popular expressa na iniciativa legislativa que parecia o grande momento de aprimoramento democrático, fazendo-se ouvir o povo e transformando a sua vontade em norma jurídica.
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